
( João Gilberto Noll)
Foto na Estação Vereza, local de ensaio do Espaço em Aberto
Sou o pó dessa estrada
Deixe-me quieto
Já faço parte dela.
Não percorras esse caminho
Pois não quero existir.
Quero a calmaria dos ventos
A quietude dosa passos
E uma chuva bem fina
Que me derreta,
Subtraia
Me reduza a uma simples lembrança
de perfume
de terra molhada
[ Brincando de inventar palavras]
Domingo à tarde. Um dia daqueles! Vontade de não fazer nada, nem ao menos pensar! Pensar é que eu não quero mesmo, depois daquele sábado trerriveloso. Bom, mas não adianta: pensar não é preciso, escrever é preciso. Peguei a caneta e o papel. O que dizer, ou melhor, o que tornar matéria dentre tantos despensamentos. Bom, já estou pensando. Queria falar sobre tantas coisas e sobre nada ao mesmo tempo.
Lá fora o gato miava. Uma miasseira que aos meus ouvidos soava como um pedido. Acho que fiquei incomodada com o barulho ou, talvez, por não entender o que ele queria. Tentei me concentrar e ver se entendia. Bobagem! Não se pode entender a língua dos gatos. Somente os gatos podem. Verdade? Mas por que não? Reduvidei!
Hoje o dia não está bom, nem pra mim nem para os gatos... somos todos incompreendidos.
Liguei a TV e estava no canal do Faustão. Não sei porque insistem em deixar neste canal, todos sabem que só vejo a Globo no horário do jornal, e olhe lá!!! Canal 11, uma moça dançava sozinha num palco escuro. Essas danças modernas, dançadas ao som de uma música clássica. Tão clássica que não se consegue compreender, mas, quem disse que se tem que compreender algo? Dançava maravilhosesimamente. BRAVO! Gritei. Mas será que ela compreendia a classidês daquela música? Será que ela imagina o que estava escrito naquelas partituras que ecoando nos ares, penetrando em nossos ouvidos ancorando sumariamente em nossos sentidos? Será que não era somente deixar a técnica da dança tomar conta dos sentidos e criar a própria história daquela música? Seria isso interpretar o desinterpretável?
O gato continua miando, e eu, deslembrando do meu intuito de despensar. Como se pudesse controlar o desejo de desdejar.
Um barulho repentino me provoca um sobressalto. Um assalto? Não! Apenas o gato. Sim, o gato a saltar sobre a fechadura da porta. O desejo do gato é incontrolável. Levanto e vou até a cozinha. Ele vem atrás num pulo. Simples...ele só queria comer.
O trem passa todos os dias pela minha cidade. Todos os trens vão e vem, e, junto, vão os sonhos, lembranças, dores, amores. A saudade explícita daquele lugar. Um deles, pelo menos.
Os caminhos, as pedras, as praias. Parece que tudo ainda possui cheiro e gosto. A necessidade de se fotografar na memória certas coisas, tornam-nas mais reais. Hoje ainda conservo certos odores, como se não pudessem deixar de existir.
Mas o trem insiste em passar. E nas janelas os sonhos se revelam no olhar triste de um velho barbudo. Os cabelos desarrumados e um leve brilho colorindo os brancos fios que insistem em aparecer. São as marcas do tempo que vai se acomodando nas camadas de poeira das soleiras. O tempo que não envelhece.
Todas as coisas envelhecem e vão para o museu. Olhamos para elas com olhar sacralizado. Mas na verdade elas são velhas. Velhas como o senhor barbudo que atravessa os trilhos antigos caminhando sobre os dormentes num alternar de pernas cansadas e dormidas. Como a criança que pula a extensão de suas pequenas pernas na tentativa de alcançar o passo seguinte. Não há diferenciação para o trilho. Para ele não importa o velho ou a criança. Ele é como o tempo que se deixa passar, indiferente e alheio às nossas vontades.
As coisas envelhecem e não sofrem. Eu gosto das coisas.
O tempo não envelhece.
O trem continua como o tempo. E leva.