quinta-feira, 26 de março de 2009

A Casca

Sentou-se no sofá para comer a pêra e começou a descascá-la. Nunca gostou muito de comer a fruta com a casca. Pouquíssimas frutas ela se permitia comer com a casca. Jamais comia uma fruta gelada, a não ser ameixa... essa sim, ia gelada e com casca. Cada fruta que descascava era de uma desigualdade que a cada vez, esquecia como fazia. Algumas realmente eram sem graça de fazer. Mas hoje era a pêra. E ela, a pêra, tinha um gosto tão amargo na sua superfície que conseguia destruir com o seu paladar.
A TV ligada, uma 15 polegadas que não dava para distinguir Ronaldo de Ronaldinho. Mas o jogo rolava na telinha. Ela não conseguia muito bem engolir os pedaços grandes que cortava coma faca de serra que ia aos poucos, consumindo mais de um quarto daquela pêra suculenta.
Automaticamente ia degustando e tentando pensar nos dias que estavam sucedendo.
Três semanas de eterna mudança. Três semanas em que tudo estava meio virado de perna pro ar.
Ela não queria de novo o acordar assustada e com o coração opresso. Somente queria deitar e dormir e esquecer os danos daqueles dias. O tempo voltava em rajadas, fazendo as voltas de uma enorme e circular ciranda que girava num entardecer morno. Os dias gritavam seu silêncio ensurdecedor e nocivo. Os abalos sísmicos se acalmavam no seu interior.