Imagina um ser humano. Quantas
coisas se passam na cabeça dele. Ele era assim, igual. Seu jeito de fazer a
barba era raro. Eu o imitava, sempre que podia. As coisas pequenas, as que ninguém
via, eu consegui enxergar. Lia jornal e revista com um olho só. De poucas
palavras, severo, nada carinhoso. Eu tinha raiva na infância. Achava que ele
gostava mais da outra, minha Irmã. Foram muitos anos assim.
De repente as coisas mudam.
Em muitos momentos da sua vida
andava resoluto, tentando manter a dignidade que estava encoberta, mas
existente, pelos teores alcoólicos que foram seus maiores fantasmas. A fragilidade
assumia um papel decisivo na sua conduta e ele seguia indefeso e triste.
Esfregava a barriga e assobiava
num gesto de desabafo. E fumava. Isso nunca me incomodou. A bebida sim. Essa eu
sabia que seria sua perdição.
Eita mundo velho sem porteira! Assim
estamos nós todos, soltos! E ele não tinha freios. As decidas eram sempre
ladeira a baixo. Pra subir, os passos eram muito difíceis.
Mas eu amei. Comecei a amar tarde,
talvez. Mas não tarde demais. Espero! Fui de mansinho, ganhando jeito e
conquistando. Afinal, pra alguma coisa esse dom deve me servir. E assim foi,
foi indo...de pouco, de leve. Pouco difícil, às vezes. Mas eu sei que ganhei a
benção. Ele me olhou, me viu, me amou também. Hoje nós nos amamos. Ele existe
aqui dentro de mim.
Homenageio-o sempre que levo
comigo os seus pertences. Eu tenho esse privilégio.
Na capanga que ele guardava as
coisas que ele mais gostava. E lá está ele, me olhando, com seu único olho. Ele
me vê e eu o vejo. Canto o hino que é sempre em homenagem a ele. Canto pra que
ele escute e veja que todos ali estão vendo o que está por ser visto. Salve,
Salve o Tricolor paulista.